NA CONTRAMÃO DO CRIME

Jovens que vivem em áreas carentes, lado a lado com o tráfico de drogas, dão a volta por cima e encontram perspectivas de futuro.

Marcela descobriu na dança uma vocação que, anos atrás, nem imaginava ter. Envolveu-se de tal forma em aulas de jazz, estilo livre e balé que, além de aluna assídua, a jovem de 17 anos já é orientadora de uma turma. “Quero terminar meus estudos e fazer faculdade de dança”.

Marcela, nome fictício de uma adolescente que foi obrigada a viver lado a lado com o crime, é o exemplo de como projetos sociais são capazes de dar perspectivas a jovens que poderiam ter trilhado o caminho errado, aparentemente mais acessível, mas deram a volta por cima.

Hoje, ela consegue projetar um futuro melhor para sua família. Mas nem sempre foi assim. Aprendeu muita coisa logo cedo. Desde que nasceu, Marcela vive sobre palafitas do dique. Dos sete irmãos, dois se envolveram com o tráfico de drogas. Entre os 12 e 13 anos de idade, chorou pelo assassinato brutal do irmão e pela morte do pai, vítima do alcoolismo. “Por tudo que via, procurava fugir desse mundo desde criança. Minha irmã mais velha me incentivava a ir a centros comunitários. Eu sempre aprendi as coisas muito precocemente”.

Seus pais vieram do Nordeste com cinco filhos, na esperança de que encontrariam em São Paulo um lugar com mais oportunidades. Logo que chegou, o pai arrumou um emprego. Marcela nasceu e, depois de alguns anos, vieram mais dois irmãos. “No beco onde eu moro até hoje, sempre tinha boca. Era sempre assim: eu entrava em casa, tinha gente com drogas, armada, na frente de qualquer pessoa, qualquer criança”.Como o pai gastava muito dinheiro para sustentar o vício, dois dos irmãos, diante de tal proximidade com a criminalidade, chegaram a ser presos por roubo. Eles passaram a usar drogas e, mais tarde, traficar.

Com a rivalidade entre seu irmão e outro traficante do bairro, o criminoso matou e esquartejou, por vingança, outro irmão de Marcela, que tinha problemas mentais. “Meu pai começou a beber mais. Minha mãe entrou em depressão”, emociona-se. Doentes, seus pais viram os dois filhos envolvidos no tráfico fugirem do Estado para sair do alvo dos criminosos.”‘Tem que sair daqui quando tem essas guerras”, afirma a jovem.

Em pouco tempo, o pai morreu. Desorientada, sem perspectivas, a jovem se inscreveu no Programa Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano, do Governo Federal, destinado a jovens de 15 a 17 anos que vivem em situação de risco social —sob condições de pobreza. “No início, só me interessei por causa da bolsa (de R$ 65,00 mensais). Mas comecei a descobrir muita coisa sobre cidadania, meio-ambiente. E comecei a fazer atividades (artísticas)”.

Hoje, a jovem passa os dias envolvida com os estudos e com a arte. Marcela considera a distância que sempre manteve do mundo das drogas uma vitória. “Não me envolvi porque eu via tudo que minha mãe e meus irmãos passavam”.

Agora, Marcela luta para que os irmãos mais novos, de 9 e 10 anos, tenham oportunidades na vida. Sua mãe estáem busca de uma casa desde o ano passado.

“A gente pretende sair daqui(pausa). Eu passei por muita coisa. Cada vez que eu via meu pai bebendo, se acabando, eu pensava que aquilo não seria vida para mim”. Outras possibilidades. Para Rafael e outros amigos que moravam próximo ao tráfico, o caminho mais acessível sempre foi o das drogas. A tempo, ele descobriu, pelo seu envolvimento com projetos sociais, que não teria futuro caso entrasse de cabeça na criminalidade.”Eu tinha uma visão pequena. Se existia o tênis da televisão, a bermuda que todo mundo usava, a camisa que todos queriam, e eu não podia ganhar, fazia tudo para ter. Então, tomava conta de carro e comecei a vender droga como aviãozinho”, conta ele.

Aos 20 anos, Rafael reconhece que teve uma infância maravilhosa. Morou com sua avó até os 11 e ía para a casa da mãe nos finais de semana. “Mas fui arrancado da minha avó pelo meu padrasto. O jeito dele criar era na ignorância. Comecei a ficar meio estressado com isso”. Ele lembra que o comportamento do padrasto, aliado à vontade de ter tudo que alguns amigos seus tinham, influenciaram seu envolvimento com droga.

“Eu achava que não era um filho ruim e não merecia aquele tratamento. E desejava que ele (o padrasto) tivesse um. Então, me transformei no filho ruim que eu queria que ele tivesse”. Mas, na escola, Rafael foi chamado para integrar um programa em que ganharia uma bolsa para participar de atividades e projetos. “Eu pensei: ‘trabalhar para ganhar 70 reais? Eu não vou’. Tinha chance de ganhar mais dinheiro. Mas fui para ver como era e encontrei pessoas conhecidas que também estavam no programa”. Cheio de idéias, foi contratado para trabalhar em centros comunitários, onde idealiza trabalhos com jovens. Em uma das atividades, conheceu sua atual mulher, com quem já tem uma filha recém-nascida.